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Uso de drones em condomínios gera preocupação e debate sobre privacidade

Moradores relatam invasão de privacidade e conflitos pelo uso de drones em condomínios da Barra e região, impulsionando novas regras

O Globo
Uso de drones em condomínios gera preocupação e debate sobre privacidade

Privacidade ameaçada: uso de drones por vizinhos deixa moradores de condomínios da Barra e do entorno em polvorosa

Diante do aumento do número de conflitos, residenciais começam a impor regras ou até proibir manuseio do equipamento; especialista diz que tema deve ser discutido em assembleia

Morador de um imóvel de três andares no condomínio de casas Village do Maciço, em Vargem Pequena, o aposentado Marlon Brito, de 62 anos, tem uma piscina na cobertura e, como o espaço fica fora do campo de visão da vizinhança, costuma aproveitar no local, sem preocupação, momentos de intimidade com a mulher, a engenheira Andrea Lima, de 56. Numa dessas ocasiões, no fim do ano passado, eles foram surpreendidos por um voo de drone sobre a área, e se sentiram violados. Ele, então, fez o alerta no grupo do residencial e reclamou diretamente com o vizinho dono do equipamento. Conflitos do gênero, principalmente pela preocupação com a invasão de privacidade, têm se tornado cada vez mais comuns na região, sobretudo após a repercussão de um caso em São Vicente, no litoral paulista, onde uma empresária denunciou ter sido filmada nua por um drone em fevereiro.

— A princípio, esse morador começou filmando a natureza do bairro, como o pôr do sol, e colocando as imagens no grupo. Ninguém via maldade. Depois, começou a sobrevoar as casas, com a justificativa de que estava em busca de focos de dengue, com a autorização do síndico, quando isso não é o correto. Se fosse o caso, deveriam ir às residências fazer essa fiscalização. Até que fui surpreendido por esse drone enquanto estava na piscina. Corri até meu celular, mirei para registrar e ele foi embora numa velocidade alta, sinal de que o dono sabe da ilegalidade que está cometendo. Disse no grupo que não concordo com a prática e fui até a casa do dono dizer, numa boa, que não quero que isso prossiga. Não sobre a minha casa. Se acontecer de novo, vou bater na porta dele com a polícia — relata Brito. 

O aposentado diz que a situação despertou desconfiança. 

— É uma invasão muito grande. Não é legal; é desonesto. Me senti incomodado — observa. — Caso o drone dele tenha visto uma mulher pelada em alguma casa, como vamos ter garantia de que ele não filmou? Quantas famílias ele não deve ter visto? O momento em que você está no seu lar é muito íntimo. Tenho para mim que ele guarde imagens muito particulares. No meu caso, detectei rápido, e o drone foi embora

Morador do condomínio há dois anos, o servidor público estadual Domingo Cundines, de 54 anos, conta já ter sido importunado pela presença da aeronave pelo menos três vezes. 

— Em todas as ocasiões, eu e minha mulher estávamos na piscina e nosso lazer foi interrompido pelo barulho ensurdecedor de um drone planando logo acima da nossa casa — narra. — Essa situação causa muita indignação nos moradores, que têm os seus direitos à intimidade e à privacidade violados. Alguns pensam até em recorrer à Justiça. 

Procurado, o dono do drone, Jorge Oliveira, não quis falar ao GLOBO. 

O que diz a lei

Para operar drones, o condutor precisa cadastrar o equipamento na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão responsável por conceder a licença de operação e determinar suas regras. Além disso, cada voo do equipamento, assim como no caso das aeronaves tripuladas, precisa da autorização do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), da Força Aérea Brasileira (FAB), incluindo aqueles que tenham o propósito meramente de diversão, como determinam as normas do órgão, atualizadas em 2023. A exceção só vale para operações com equipamentos que pesam até 250 gramas e que sejam realizadas fora de zona de restrição de voo, seguindo regras e procedimentos previstos em legislação. 

Entre as determinações da Anac, há a que diz que a distância do aparelho não poderá ser inferior a 30 metros horizontais de pessoas não envolvidas e não anuentes com a operação. A resolução define ainda que devem ser observadas outras regulamentações, com destaque para as referentes à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

O que falta definir

Especialista em condomínios, a advogada Fátima Gomes de Souza, também moradora do Village do Maciço, explica que os residenciais têm autonomia para permitir ou não o uso de drones em seu perímetro e que o assunto deve ser debatido em assembleia. 

— O síndico não pode, por conta própria, dar autorização para um morador operar drone, porque isso envolve direitos alheios e individuais, protegidos por lei. Aqui, o síndico não só disse no grupo de WhatsApp que deu autorização ao dono do drone como o defendeu quando parte dos moradores se colocou contra o uso. A prática tem que ser aprovada em assembleia, para usos específicos. Se é uma vistoria, por exemplo, no mínimo os moradores devem ser avisados previamente sobre data e horário, e não serem surpreendidos pelo equipamento. E, ainda que o uso seja debatido e aprovado em assembleia, é algo questionável, porque versa sobre o particular da pessoa. Se um não concordar e quiser processar, pode — analisa. 

A advogada avalia também que as regras atuais da Anac são muito generalistas e, por isso, o tema ainda vai gerar muito debate. 

— As determinações estabelecem que a distância mínima é de 30 metros, mas não diz que não pode fotografar, por exemplo. E há câmeras potentes que podem fazer boas imagens a essa distância. Na verdade, as regras são mais para garantir a segurança, evitando acidentes, e não para proteger a privacidade. Precisamos de uma legislação própria e mais robusta em relação aos condomínios, que estão se adaptando na medida que vão surgindo os problemas — observa.

Questionado, o síndico do residencial, Fábio Barroso, nega que tenha dado autorização ao morador para operar o drone. Diz ainda que, por causa do conflito, pretende convocar uma assembleia para debater a pauta. 

— Ele começou a fazer rondas para identificar possíveis focos de dengue por conta própria. Eu não pedi nada. Depois de algumas vistorias, ele falou que encontrou algumas piscinas escuras. Eu, então, orientei o pessoal no grupo a ficar atento a isso — defende-se Barroso. — Estou estudando o tema, para saber se posso ou não proibir o uso de drones dentro do condomínio, já que ele diz que tem todas as licenças. Vou marcar uma reunião com o conselho de síndicos e, depois, convocar uma assembleia para deliberar sobre a questão. 

Em relação a voos na fachada interna de prédios e construções, mesmo que parcialmente, a FAB esclarece que são de responsabilidade da propriedade, chancelando a afirmação da advogada de que o condomínio tem a prerrogativa de autorizar ou não a operação, respeitando princípios constitucionais. 

Condomínio proíbe uso

Em janeiro, sobrevoos de drone também foram alvo de reclamação de moradores no Riviera dei Fiori, na Barra, preocupados tanto com acidentes quanto com a preservação da privacidade. De acordo com Márcia Batalha, membro do conselho de síndicos, a pessoa responsável pela operação, que não foi identificada, insistiu com a prática ao longo de uma semana, até que a administração começou a divulgar nos grupos do condomínio que o uso do equipamento é proibido dentro do residencial. Um aviso com a determinação também foi afixado nos murais do empreendimento.

— Disfarçadamente, do nada, aparecia um drone rondando por aqui. Inclusive, uma vez eu quase dei uma vassourada em um que estava voando perto. Isso começou a incomodar muito, até porque não conseguimos descobrir de qual apartamento o aparelho estava decolando, embora existam algumas suspeitas — conta Márcia. — Aqui é um conjunto de sete torres: três de um lado e quatro de outro. E esse drone em questão estava decolando de algum desses quatro prédios, ia para o meio dos demais, passando perto das varandas, e depois ia para a área comum, onde há a piscina. É uma situação bem desagradável, e todos ficaram bem nervosos. Depois dos avisos, a pessoa parou.

Exigência de autorização prévia 

A Cipa Síndica, que administra cerca de 1.300 condomínios no Rio, incluindo o Union Square, na Barra, o Vernissage, na Freguesia, e o Estrelas, em Curicica, começou a disparar para todos os moradores, na semana passada, por meio de seus canais digitais, um comunicado com as regras sobre o uso de drones nos residenciais, visando a segurança, privacidade e bem-estar, justifica a administradora. Os interessados em manusear o equipamento dentro dos condomínios precisarão de autorização prévia da administração, devendo formalizar a solicitação com antecedência mínima de 48 horas, informando data e horário. A operação só será permitida das 9h às 17h e em áreas determinadas no processo de autorização. O regulamento proíbe expressamente a captura de imagens de áreas privativas, como varandas e janelas. 

A regulamentação veio após dois casos envolvendo drones em seus condomínios, ambos em dezembro passado. Num deles, no Vila Carioca, na Tijuca, um morador se sentiu lesado ao ver o aparelho sobrevoando a fachada sem saber ao certo o que o aparelho estava registrando. Ele, então, formalizou uma reclamação, alegando não se sentir confortável com os sobrevoos e pedindo providências da administração. No outro, no Union Square, a própria Cipa identificou um drone sobrevoando e, antecipando-se aos conflitos, fez uma campanha para informar os moradores sobre as regras. 

— Essa regra de autorização prévia é nova e foi criada a partir de conflitos que aconteceram. Esse controle é uma forma de sabermos detalhes da operação e informamos aos demais moradores que, em determinado período, haverá um drone sobrevoando — pontua Bruno Gouvea, coordenador da Cipa Síndica. — Essa é uma situação recente, e os condomínios precisam começar a se resguardar.

Popularização por trás dos conflitos

Diretor da Administradora Nacional, que tem sob seu guarda-chuva residenciais como o Ventanas Nature Resort, o Villa do Golfe, ambos na Barra, o Pontal Quality Green, o Praia Nova Sernambetiba e o Residenciais da Praia, os três no Recreio, Victor Tulli diz que o assunto tem surgido com mais frequência nas assembleias. 

— É algo que começou a gerar mobilização no fim do ano passado e vem numa crescente desde o início do ano, com as pessoas procurando saber mais a esse respeito nas reuniões de condomínio. Isso se deve muito ao fato de os drones estarem se popularizando, tornando-se cada vez mais baratos e menores — analisa. — Em geral, os condomínios ainda não estão preparados, porque é um tema que exige conhecimento das normas, o que muitos síndicos não têm, mas a tendência é que fiquem cada vez mais capacitados para os problemas que possam surgir relacionados ao uso de drones.




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