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Vander Andrade

Condomínios e a teoria de Montesquieu: Uma analogia com a separação de poderes

Como os princípios de Montesquieu se aplicam na gestão condominial para promover a harmonia e a justiça entre moradores

Condomínios e a teoria de Montesquieu: Uma analogia com a separação de poderes

A teoria de separação de poderes de Montesquieu aplicada aos condomínios edilícios

A ideia da separação dos poderes remonta à Grécia Antiga, avançando por filósofos como Aristóteles e Locke, mas foi Montesquieu quem consolidou o sistema de freios e contrapesos na obra "O Espírito das leis", influenciando a inclusão desse conceito em constituições de Estados democráticos, limitando poderes absolutistas.

A ideia de separação dos Poderes, apontada como de autoria de Montesquieu, tem em verdade uma origem mais remota, mesmo na Grécia Antiga, onde se cunhou o princípio de "trias politica", onde principalmente Aristóteles em sua obra "A Política", defendia a necessidade da divisão de poderes do Estado, entendendo necessária uma atuação compartimentada e separada, de forma independente porém harmônica, garantindo as características peculiares ao poder estatal, no sentido de ser indelegável, uno e indivisível.

No âmbito da filosofia política, até mesmo Locke dissertou sobre o tema, mesmo antes do Barão de Montesquieu. Contudo, não há como negar que a sistematização do sistema de freios e contrapesos proposto na obra "O Espírito das leis", cunhada de forma régia pelo autor francês, fora de fato responsável pela colmatação e consolidação da festejada teoria da separação de poderes, na medida em que propôs um sistema de equilíbrio entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. 

Desde a edição de sua clássica obra, a grande maioria dos Estados modernos, sobretudo os de índole democrática, não importando se a forma de governo se manifestava monárquica ou republicana, entenderam imprescindível incorporar às suas constituições o sistema de "checks and balances", com isso limitando o poder que outrora, havia se manifestado, em muitos Estados nacionais, de modo absolutista.

Interessante observar que, à luz do direito condominial, observa-se uma construção análoga a que ocorre nos estados modernos constitucionais e democráticos.

Assim é que no condomínio edilício, observa-se a figura do síndico, com postura denotadamente executiva, visto que a ele cabe as funções de representatividade, de gestão e de fazer cumprir e observar a lei. A ele se veda, por exemplo, qualquer poder de natureza normativa, conquanto seja ele revestido de poder disciplinar, sobretudo quando aplica advertências ou multas a condôminos que possam ter transgredido as normas internas de convivência.

Por seu turno, a assembleia de condôminos se reveste de feição legislativa e judicante, com isso trazendo sensível equilíbrio às relações de poder, garantindo destarte aquilo que denominamos de "democracia condominial".

As assembleias gerais de condôminos se descortinam, portanto, com a qualidade de ambientes propícios e adequados à criação de normas jurídicas aplicáveis a todos os condôminos e demais moradores, bem como aqueles que trabalham, circulam ou visitam suas dependências.

Destarte, na esfera normativa assemblear podem ser criadas ou alteradas normas da convenção, do regimento interno bem como podem ser revogadas ou estabelecidas regras gerais incidentes sobre atos ou não atos vinculados à coexistência condominial, bem como os de caráter financeiro, como é o caso da fixação dos valores das cotas condominiais, ordinárias ou extraordinárias que devem ser exigidos dos coproprietários.

A assembleia geral de condôminos é o foro competente para analisar requerimentos de caráter recursal impetrado por condôminos que possam ter sido penalizados com sanções de advertência ou multa.

Por ocasião da aplicação de uma penalidade condominial, pode o síndico, reconsiderar a imposição da sanção, especialmente quando o condômino, ainda que posteriormente à imposição da pena, ou antes de sua aplicação, comprove, por exemplo, não ter sido ele o autor da conduta infracional.

Contudo, caso o síndico entenda por bem manter a imposição da medida disciplinar, cabe ao condômino, no exercício de suas prerrogativas, recorrer à assembleia, postulando a revogação da pena (quando esta for entendida como inoportuna ou inconveniente) ou sua anulação (quando esta não tiver base legal, convencional ou regimental para sua aplicação).

Por óbvio que, em se tratando de um poder discricionário da assembleia, poderá ela manter a pena infligida ao condômino infrator, o promover o seu desfazimento, sem haver a necessidade de motivação, nada impedindo possa esta ser formalizada no corpo da ata assemblear.

De ser recomendada a anulação da multa aplicada sem a observância dos princípios da ampla defesa e ao contraditório, ou ainda quando a aplicação da medida sancionadora não encontrar enquadramento típico no diploma civilista ou nas normas condominiais, dentre outras hipóteses análogas.

A respeito destas funções diversas da assembleia, assim discorre Caio Mário da Silva Pereira:

"Nos condomínios edilícios, qualquer que seja o seu tamanho, percebe-se uma organização típica dos Estados modernos, com a divisão de poderes, independentes e harmônicos.


O Executivo é exercido pelo síndico, que é o representante legal do condomínio, e a quem incumbe velar pelo exato cumprimento da convenção, do regulamento interno, sendo obrigatoriamente eleito pelos condôminos, que também poderão destituí-lo.


A Assembleia Geral é o Poder Legislativo, já que lhe cabe redigir e aprovar a convenção, o regulamento interno e o orçamento, além de qualquer outra norma que interesse ao conjunto, criando direitos e deveres para os condôminos.


Também funciona a Assembleia como um Poder Judiciário, quando julga e aplica penas, inclusive ao síndico, decidindo eventuais recursos interpostos contra suas decisões.


Para citar apenas um exemplo, na hipótese do condômino antissocial, já antes apreciada, cabe à Assembleia, por 3/4 dos condôminos restantes, aplicar a pena, respeitado amplo direito de defesa exercido perante ela". (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 32).

Em determinadas situações, seja com base no descritivo legal, seja com espeque na convenção de condomínio, a assembleia geral de condôminos está autorizada a julgar o comportamento transgressional de um (ou mais) condômino(s), de modo a decidir pela aplicação das penalidades de advertência ou multa.

Questiona-se se o condômino multado tem o direito de participar da assembleia. Em verdade, a participação de condôminos na assembleia é um direito assegurado legalmente, conquanto se faça necessário cumprir determinados requisitos, em especial, o de estar quites com suas obrigações financeiras associadas ao adimplemento das cotas condominiais, conforme menciona o art. 1.335, inciso III do Código Civil brasileiro.  

Contudo, existem situações em que um condômino sancionado pela prática de infrações às normas internas condominiais realiza o pagamento do valor referente à taxa de condomínio, mas deixa em aberto a quantia da multa, seja pelo fato de que discorda dos motivos que ensejaram a sua imposição, seja porque entende ser seu direito a obtenção de "efeito suspensivo" durante o período de tramitação do recurso.

De toda sorte, ainda que inadimplente em relação ao pagamento da pena de multa, não pode ser o condômino obstaculizado em seu direito de participar da assembleia, em especial pelo fato de tal vedação não encontrar amparo legal, também diante da necessidade de se observar o preceito hermenêutico segundo o qual "normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente". Como afirma o professor Tercio Sampaio Ferraz:

"...toda norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente deva ser interpretada restritivamente. Também uma exceção deve sofrer uma interpretação restritiva" (SAMPAIO JR., Tercio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 291).

Entende-se assim necessário garantir-se a efetividade e a concretude da "democracia condominial", na medida em que se verifica a exata observância dos limites do poder dentro do condomínio edilício, distribuído entre os agentes de governo, cada qual em sua esfera de atuação, de forma independente porém harmônica, tal como ocorre nos Estados contemporâneos onde a Constituição é realmente cumprida e observada por seus dirigentes e governantes, visto que o bem coletivo deve ser o objetivo e o escopo permanente de todos aqueles que se ocupam de conferir ao condomínio a sua melhor versão institucional.




SOBRE O AUTOR

Vander Andrade

Vander Andrade | Jurídico

Advogado especialista em condomínio. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. PhD em Direito Constitucional Europeu - Universitá di Messina (Itália). Professor Universitário e de Pós-Graduação. Palestrante com atuação nacional e escritor. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

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